exposição de artes plásticas - phg

inauguração da exposição

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Instalação A Caminhada na Procura da Luz (chacota e tecido)-2008

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(técnica mista sobre tecido)-2008

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(técnica mista sobre poliestireno expandido)- 2008

sexta-feira, 2 de maio de 2008

A aldeia que eu não tive

Era uma vez uma aldeia que eu não tive.

Havia casas que voavam e andavam sobre rodas e tinham escadas que ninguém sabia onde iam dar, que é sempre o destino com que sonha qualquer escada que se preze.
Os relógios tinham todos parado às dez e dez - não por nenhuma razão especial (um dia hei-de ler uma justificação teórica para o facto, mas por agora não sei nada disso) mas apenas porque toda a gente achava que ficava mais bonito, e mostrava que toda a gente acordava e adormecia, entrava e saía, encontrava-se e desencontrava-se exactamente à mesma hora.
Havia estranhos gramofones, que juntamente com aquelas canções roufenhas do tempo da Segunda Guerra Mundial, abrigavam cães e homens com medo - que depois corriam em todas as direcções, com árvores e flores e pássaros a saírem-lhes da cabeça.
Às vezes os homens cansavam-se e sentavam-se nos telhados das casas, nas capotas dos automóveis, e deitavam a língua de fora a quem passava, ou ficavam simplesmente de barriga para o ar, a agitar bandeirinhas, ou a deitar ao vento um cão preso por um cordel, como se fosse uma estrela de papel, e se calhar era.
Nunca se sabia para onde corriam os homens da aldeia que eu não tive. Mas isso não era importante. O importante era saber que, para onde quer que fossem, havia sempre um portão que se abria só para eles, e lobos cheios de saudades do Capuchinho Vermelho que um dia caiu no poço que havia no largo da igreja e nunca mais voltou. Desde esse dia os sinos da igreja têm um som ensurdecedor, e todos os objectos se desfazem em sinais de fumo para ver se ela entende a mensagem e regressa. Enquanto isso não acontece, na aldeia que eu não tive bebe-se chá em chávenas e bules e cafeteiras e sonha-se com a palavra paraíso.
E foi numa tarde de chá e fumo a sair dos bules e das torradas que eu também sonhei com a palavra paraíso, viajando pela aldeia que eu não tive. Pela aldeia que eu passei a ter graças ao João Vaz de Carvalho. E quem nos dá uma aldeia, tem a eternidade assegurada.
Alice Vieira

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